Fadiga vs. Magia e PV vs. Guerreiros Lendários
Magia: o escopo de qualquer cenário High Fantasy. Em GURPS não é diferente. O sistema de magia é criticado desde a 3ª edição. Como não houve muitas mudanças no sistema de magia na 4E as críticas persistem. A grande crítica que se coloca é que pelo fato de GURPS pretender o realismo, é muito difícil a um mago, mesmo poderoso, conjurar magias, e frisem-se, poderosas, sem cair de cansaço (um mito propagado pela revista The Universe of RPG nº3, p.11).
Muitos jogadores, revistas e blogs já comentaram sobre isso. Havia, inclusive, um artigo muito bom na GURPS Nation, intitulado Poderosa Magia – Parte 1: Essência, escrita pelo Rune em 19.03.2009.
Parece que, e o Rune aborda isso em seu artigo, e eu também já ouvi isso de jogadores meus (há muito tempo atrás), que poucos acham verossímil que magia consuma fadiga. Eu não acho.
MAGIA NA VIDA REAL?
Na vida real, magia mesmo se dá de dois modos:
(a) MEDIATO
Por intermédio de espíritos aos quais, quando malfazejos, se “paga” algo, para produzir um resultado, numa relação mercenária (a chamada feitiçaria), que acaba por determinar o destino do próprio feiticeiro através das leis de ação e reação (leis kármicas), e pela ação dos espíritos com os quais ele se associa (os “espíritos de trevas”, “quiumbás”, “demônios” etc), que sempre o receberão no mundo pós-vida e tentarão, em vida, cada vez mais agir no sentido de que o feiticeiro pratique cada vez maior mal, selando seu próprio destino.
Ou, quando solicitado a uma entidade benfazeja (“espíritos de luz”, “orixás”, “anjos” etc), a paga é na verdade uma oferenda, um pedido humilde, com frequência consistindo em velas, orações e ás vezes rituais compostos de elementos materiais diversos (galinha, porco, comidas preparadas de tal ou qual jeito), cujo objetivo é fornecer um quantum ectoplásmico para auxiliar o trabalho dos referidos espíritos.
Ao menos assim se ensina na tradição esotérica, teosófica, espiritualista e nas religiões afro-brasileiras.
(b) IMEDIATO
A mais difícil. É em essência mental. O Padre Quevedo, em um de seus livros que tratava exclusivamente de parapsicologia, não lembro qual, explicava que a mente é um fenômeno que se projeta por toda a extensão corporal. Dessa forma ele explicava os pêndulos, e porque eles giravam apesar da aparente imobilidade de nossas mãos. Para ele, inconscientemente decidimos qual o sentido em que vai girar, e pelo fato do pêndulo estar seguro pelas pontas dos dedos, ele gira. Pequenos movimentos imperceptíveis aos olhos, mas gerados inconscientemente pela mente fazem o pêndulo girar no sentido desejado.
Ao falar de outros fenômenos, explicava que os fenômenos parapsicológicos tendiam a ter um alcance algo em torno de 400 metros.
As linhas esotéricas acreditam que a mente projeta-se para além do corpo. Esclarecendo o alcance observado pelo Padre Quevedo. Seria um ponto central mais forte e a periferia, cada vez mais fraca (como o Sol ao centro, e a luz fraca nos arredores de Plutão).
Como dito, a magia propriamente dita, a que age de forma imediata, assim se dá, sobretudo pela ação da mente diretamente sobre o mundo. O que exige esforço, disciplina e persistência. E cansa. Cansa menos quanto mais se pratica. E GURPS reflete isso. A vida imita GURPS (fato).
Porque, para as linhas esotéricas, o mundo astral (espiritual) é, em essência, um mundo mental. Não porque existe apenas em nossas mentes, não, ele é real, mas a mente prepondera, ela é mais livre que no mundo material (dos encarnados).
A magia se daria pela ação da mente, pela ação e manipulação das egrégoras (pensamentos coletivos, conscientes ou não), e pela ação e manipulação dos elementais. A mente então é a chave.
MAGIA
Para mim, dentro de uma linha esotérica, magia não existe. Magia é “técnica desconhecida”. Volte no tempo: Idade Média. Acenda um fósforo. Eles provavelmente queimarão você na fogueira com o fósforo que você acendeu. Não é magia, é técnica, saber esotérico (restrito a poucos), em oposição ao saber exotérico (divulgado a todos), o saber científico.
VOLTANDO
GURPS pretende o realismo, e conseguiu ir bem. O sistema de magia de GURPS é de magia imediata. E cansa.
A maioria dos jogadores, e entre eles alguns jogadores meus, já sugeriram a criação de um novo atributo: Pontos de Magia, Mana, Essência (essa foi do Rune da GURPS Nation). Você pode fazer isso se quiser. Eu não gosto muito da ideia.
Para manter um vínculo maior com pretensão realista de GURPS, eu prefiro olhar para a regra da pág. BS16-17 da 4E, que diz (traduzindo):
Pontos de Fadiga (PF) [±3 pontos por ±1 PF]
Pontos de Fadiga representam o “suprimento energético” de seu corpo. Por padrão, você possui PF igual a sua HT. Assim, HT 10 proporciona 10 PF.
Você pode aumentar sua reserva de PF ao custo de 3 pontos por PF, ou reduzir PF por -3 pontos por PF. Em uma campanha realista, o Mestre não deveria permitir que os PF variem mais que ±30% da HT; i.e., um personagem com HT 10 poderia ter entre 7 e 13 PF. Não humanos e supers não estão sujeitos a esse limite. Da mesma forma, para estes seres, enquanto a HT é normalmente restrita ao limite de 20, não há tal limite para os PF.
A mesma limitação de ±30% vale para os Pontos de Vida (PV), porém baseados em ST, só que a um custo menor (2 pra 1).
CONCLUSÃO
É óbvio que o que o Módulo Básico quis dizer é que “não humanos e supers” equivale a uma campanha não realista, o que é sinônimo de campanha High Fantasy. Por essa razão, não há limites para o número de PF que um personagem mago pode ter em uma campanha deste tipo.
Em GURPS, numa campanha não realista, eu costumo permitir que os personagens dos meus jogadores tenham PF até o máximo de [Pontos de Personagem gastos com Magia] ÷ 2, na criação do personagem. Assim o personagem criado agora, com 30 pontos em magia, poderia ter 15 PF. E, na evolução do personagem, eu não permitiria que eles adquirissem mais do que 1 PF no intervalo entre as seções de jogo. Umas dez seções de jogo depois, esse mesmo personagem teria lá seus 20-25 PF. Nada mal.
O mesmo com os Guerreiros e seus PV maravilhosos, a lá D&D. Limitaria os PV iniciais ao teto de Pontos de Personagem gastos em perícias marciais (de combate), sem divisão. Dez seções depois e ele teria seus 20 PV ou mais, não adquirindo mais de 1 PV no intervalo das seções de jogo ou aventuras.
GEMAS DE ENERGIA
Lembrando que as Gemas de Energia na 4E não são apenas opalas, podem ser qualquer coisa, literalmente. Elas não existem à toa! Elas são a bateria dos magos. E num cenário High Fantasy, elas suprem fadiga muito bem, e são tão comuns quanto são os itens mágicos num cenário como esse. Os gurpeiros sempre se esquecem disto.
Só tem uma coisa que não ficou legal com as Gemas de Energia na 4E: elas estão apenas no GURPS Magic, sumindo do Módulo Básico (os 2 vols.). Na pág. M20, uma gema de poder 10 (10 PF), custa $1.900. Qualquer aventureiro compra isso depois de poucas aventuras. E o mestre pode sempre considerar que elas estão em 100% da capacidade ao começo de cada aventura. Outra, o encantamento Powerstone está apenas no Magic também (pág. M69).
Mas convenhamos que desde a 3ª edição, o GURPS Magic é um suplemento fundamental, ou deveríamos chamar de complemento?
RESERVAS DE ENERGIA
Uma outra opção, ao invés de usar Pontos de Fadiga Extra, é usar a regra de Reserva de Energia (Energy Reserve) do GURPS Powers (p.119). Basicamente o personagem compra Reserva de Energia (RE) pelo mesmo custo dos Pontos de Fadiga extras (3 pts / 1 PF), no entanto esta RE é ligada a uma determinada finalidade ou tipo de poder, que pode ser psiônico, mágico, super etc. Aqui no caso seria RE (magia), por 3 pts / 1PF. Essa RE só poderia ser usada para abastecer as magias, ou usadas para realizar esforço extra e algumas façanhas desse tipo. No entanto, por não ser PF propriamente dito, poderes que subtraem fadiga não atingem essa reserva, muito menos o cansaço por esforço físico. Caso não possa ser usada para realizar esforços extras ou façanhas desse tipo, então aplica-se a limitação Habilidades apenas, -10%.
Se você fizer isso, na prática terá criado um atributo ou vantagem nova a lá “Pontos de Magia”, “Pontos de Mana” etc. Nesse caso, renomeie a vantagem Reserva de Energia (magia) para “Pontos de Magia (ou Mana)” como sugere o Módulo Básico (p.117). Mas perceba que o uso de RE ao invés de PF quebra um pouco o equilíbrio do sistema pois, dependendo do tamanho da reserva, magos não cansariam ao soltar magias…
Gostei muito do texto Nerun. Gostei da maneira como você usou aspectos externos, valeu tanto quanto os da mecânica do jogo. Lembrou muito o estilo em que costumam ser escritos os suplementos de GURPS.
Obrigado Gabriel, esse de fato foi um dos meus melhores textos!
Ótima matéria, eu penso muito sobre sistema de magia no contexto mais realista, tenho algum conhecimento esotérico na área e sua explicação foi perfeita, nesse contexto eu sempre achei que psiquismo e magia seriam basicamente inseparáveis, sendo o psiquismo o modo imediato, e a magia clássica o modo mediato. Tenho trabalhado em um sistema de magia (baseado em FUDGE) e venho por muito tempo tentado acomodar todos esses elementos (magia, psiquismo, super poderes…), avancei mas ainda estou longe da perfeição 🙂
Muito obrigado Diego! FUDGE é uma boa opção, talvez você possa tentar algo mais desenvolvido como o FATE. Mas não desista. Bem-vindo à GURPZine.